Sonetos de “Praias de Minha Terra” - Araújo Figueredo
Cena Real
Rita fora tirar mariscos ao mar-grosso,
Para dar de comer aos pequeinos filhos
Que eram, do seu amor, os mais fortes cadilhos
Numa pobreza atroz, de sombras de arcabouço.
Prendeu um samburá à curva do pescoço,
E buscou do rochedo os últimos rastilhos,
Temendo o grande mar que, em cada vaga, trilhos
Abre a cada momento. E cada vaga é um poço.
Mas uma vaga veio; e mais outras... Montanhas
De água vieram... E treme o seu peito de estranhas,
Profundas emoções! Ei-la, agora, rolando
Por êsse mar revolto! (Ah! Tristíssima cena!)
Com um trapo da saia ela, cheia de pena,
Diz aos filhos adeus, e êstes choram, gritando!...
Suicida
Do bordo do lanchão pôs-se a fitar o espaço,
Que tão cheio de luz se achava! Quantos astros,
Quantos mundos rolando, enlaçados em nastros,
Da eterna vibração, no infinito compasso!
Quis estender ao céu o seu pequeno braço,
Mas recuou porque, muito distante, os rastros
Dêsses mundos de luz lhe dariam cansaços;
E êles não são, por certo, os santelmos mastros...
-Quem pudesse morrer! (Disse êle) e, nesse instante,
Olha as águas do mar e vê um céu faiscante;
E dentro dêsse céu, a gôndola da lua...
Arroja-se de chofre, então, ao mar e morre,
mas, por tôda a enseada, uma lenda ainda corre:
Dizem que a alma do Zé nas ânsias continua...
Ilusão
Sopra rijo o nordeste. Anselmo vem à popa
De um leve batelão. Vem, contente, a cantar...
Nem se lembra que está sobre as ondas do mar:
E, destemido, d'água o largo pano ensopa.
A leve embarcação embaraços não topa,
Metida a quilha ao vento... É um passaro a voar...
Rumo da praia irá, num seio descançar,
De bôjo para cima, embutido de estôpa.
Mas , junto ao Cambirela, onde há um precipício,
Que a tanta gente dá o eterno sacrifício
Da morte, ei-la emborcada, a leve embarcação.
E nunca mais ninguém viu o pobre Anselmo:
Menos quem o tanto amou, e, na luz do santelmo,
Parece vê-lo sempre... E crê nessa ilusão!
A Rendeira
Que lindas rendas faz a saudosa rendeira,
Que horas passa sentada ao correr do portal,
De onde escuta a carriça a chilrear na lareira,
E o canário a chilrear no flóreo laranjal!
Aprecio-lhe o gôsto e a sublime maneira
Com que faz tanta renda, assim, para o enxoval,
Vai casar-se na ermida alegre da ladeira,
E fêz, duma camisa, um lírio original.
No momento em que a vi, a tarde feiticieira
Era uns veios de luz piedosa, espiritual...
E chegava da pesca uma leve baleeira.
Houve, então, um rumor de beijos no quintal...
E em cada humilde e bom olhar dessa rendeira
Cantava a rima azul de um sonho virginal.
Sonetos tirados do livro “Praias de Minha Terra” de Araújo Figueredo
Hoje se tem apenas, talvez uma rua acho... E alguns centros Espiritas com o nome dele, creio eu que além de poeta de vanguarda do simbolismo aqui em Desterro e no Brasil, amigo de Cruz e Souza, fora também um dos principais nome, na epoca, do Espiritismo aqui na ilha. Dizendo até que ele fora médiun, o que não posso dizer realmente, mas lendo alguns sonetos dele, pode-se levar-se a essa idéia.
Na epoca de Othon D'eça, de acordo com o livro”Homens e Algas” deste autor, não me lembro bem em qual cemitério em que fora enterrado, que seescuta ainda alguma voz a cantar no local, do qual ninguém sabe de onde veem, se mesclando com a paisagem, voz que atribuem ao poeta. O imortal Araújo Figueredo, uns dos maiores poetas da Ilha, que cantou sobre e para a Ilha, gravando então a memória de um tempo que já se fora em quase toda parte da ilha. Onde o mar não era um amiguinho de surfistas e turistas. De origem simples fora ele. Logo, como se pode ver, não é de se admirar que não se tenha edições novas dele, e que ele esteja se esvanecendo do conhecimento popular, pois, como tantos outros, ele mostra uma ilha que muita gente hoje em dia se preucupa em maquiar. Pois deve sobressair a imagem de uma ilha de veraneio bonita, com belos coqueiros e verão o ano inteiro. Não o que ela realmente é, uma Ilha de Mistérios, de História e de Tempestades.