terça-feira, 20 de abril de 2021

Hefesto e Venus



É a liberdade no gozo e na dor,
esse desejo suicida de um cárcere:
Vê liberdade no fim e na morte,
de todo'os outros, na fuga e no término
de toda a arte, de nós, do trabalho.
Ah um gozar o final sem ser mártir
pela vontade de dar e criar,
as novas formas, á um mundo tão inóspito,
Hefesto e Vênus conduzem o jogo
sexo e trabalho em suor se confundem.
ambos um esforço em gozar no final.


Soneto

 Um soneto é caixa de Pandora,
traz os monstros, liberta o infortúnio
numa forma pequena de interlúnio
que em horror e sublime se deflora.

Entre forma e disforme algum conluio
que a violência do ritmo se explora,
toca a dor disforme que devora
na demência em querer algum fortúnio.

 É de todos os males o pior:
de gozar e compor na harmonia,
de cantar entre caos e temperança.

E na certa medida se compor,
intrincado desenho de poesia
num capricho teimoso de criança.

terça-feira, 13 de abril de 2021

Rancor

 Eu sinto o sal na saliva e nas lágrimas,
e engulo o mal, como devo engolir
o choro e escondo o meu rosto na vala
de medos rotos que tento polir.

Quero chorar, mas jamais tive prática
e falta-me ar, e a linguagem esqueci
tal se'eu esquece-se meu nome na mala
extraviada perde-se ao fugir.

Me falta algo, me falta meu mundo,
e estranho, galgo, vago e vagamundo
não vou chorar sem mar, sem ter o sal.

Perdi meu laço, tal perde-se o nome,
dispar do mundo, sou morto sem fome
muda estátua de cinzas, eu sou o mal.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Prólogo

2013
 
Nos contornos cinzas cinze indícios de vida, no alto daquelas torres de concreto. E no entorno, a tinta finda azul, despercebida no asfalto daquele escuro mundo infesto. Essa figura está dentro de uma janela e fulgura em sua torre dentre milhões de torres. Era ela dentro de um apartamento. Visões que sangram vastidões, era ela em tantas janelas, transpondo a esperança e o sonho.
Essa dança, na falsa instancia de uma existência adulta. Existência forçada e moldada em uma função aquém, terceira  e estranha.
E ela dança e se enleia em exóticos tóxicos dissolvendo-se em sua existência. Na latência de um Nada num gozo tênue e infesto de imagens. Engrenagens de algum sabbath oculto que permanece sobre o inferno empesto sob o asfalto. Do alto, no interno casulo, desconhece o barulho do mundo sob seus abrolhos. Um inferno.
O inferno fulgura como brasas após um incêndio. Forma-se presente, frente aos olho vivos como uma escultura. E ele pulsa, nas luzes do que fora uma cidade, ele pulsa como um parasita sobre a realidade.
E esta, se contorce.

2021

 Nos contornos que tornam a torrente turva de indícios de vida, se olharmos naquelas janelas, no brilho fosfóreo, a silhueta. E no entorno a tinta finda azul, despercebida no asfalto escuro e infesto. Silhueta que vibra e pulsa dentro de uma qualquer janela, ela é ela e está onde deve estar. Era ela dentro de um apartamento. Pulsando, como uma aparição, visões que sangram vastidões e vertem sobre as gotas de chuva a memória de morte de nossas juventudes. Era ela janelas, transpondo esperança e sonho, como um peixe demônio. Essa dança, goza a instância de uma inocência distante.

E ela dança e se enleia, se dissolvendo, em gozo, desmanchando-se em reflexos em gotas de vidro.

Na insistência de desejo, fantasia-se na latência de um Nada infesto de imagens. Fantasia-se pois é feita de desejo. É cor, e cor é morte como algodão doce, sob o cheiro de tinta suaviza no desenho de seu corpo, indicia tudo e divisa no empenho de dar-se forma. Seduz, pois é memória, e induz ao medo da perda. Seduz, pois é memória, e induz ao desejo da permanência. Seduz, pois é memória, e induz à dor do consumo. No inferno que fulgura como brasas após um incêndio.

Do alto, trepidando, observa o barulho do mundo sob seus abrolhos. Na varanda de um apartamento se escora, desanda, sem alento e chora. Trepida e se descora, de tez fria. Trepida e se descobre em cores novas. Um inferno, como brasas de um incêndio, mas brilha fosfórea como memória, como desejo e como perda.

Forma-se presente, frente aos olhos vivos e pulsante como o seio de uma cidade, seduz promessas de vida, de poder viver. E pulsa parasita sobre a realidade, e esta... se contorce.