segunda-feira, 27 de março de 2017

Cainho



Cainho

Eu sinto falta das estrelas
compassadas, no meu caminho,
as pontilhadas na janela.

O brilho rítmico em alinho,
dos postes presos na  rua
de meu destino  em desalinho.

Eu sinto falta e continua
o ensejo ausente de breu!
O asfalto em mim que me insinua...

O brilho em frenesi tão meu...
Anseia o beijo da rua a estrada.
Se anseia a alforria que pereceu...

Mas  sinto a falta que alastrada
conduz na ânsia a culpa e a fome
de encoleirada dor claustrada.

A dor de um cão! Vida que some
na raiva, os dentes cá se estorcem
e rasgam a tez de quem os dome!

Sentir as luzes que distorcem
a vida prenha por perdê la
em sonhos nômades  que sorvem-me!
Eu sinto falta das estrelas!

Soneto N.º IV - Renata Pallottini



 Soneto N.º IV

Se há dias de alforria, é pelo mar
que a gente vive os dias de alforria.
Nada é mais  livre do que navegar;
um barco é como  um pássaro em franquia.

Roda a roda do leme, mas as rotas
são tantas, pelo mar, em sul e norte,
quantas riscam no céu as gaivotas.
Ah, eu já resolvi da minha sorte:

pulo, num dia desses, pra "Doçura",
solto as amarras, deixo do que  era,
e  me parto pra terra da aventura

-- a que eu nunca hei de ver e que me espera --,
e fico a navegar por toda  a vida,
que água do mar tem gosto de partida.

Renata Pallottini

sábado, 11 de março de 2017

12/12/2005 foi a data da primeira postagem nesse blog.

12 anos de blog... quase, ou 11...

Trovas no meu blog


Trovas que selecionei e passei a limpo, que foram publicadas no meu blog..

O desamparo real
na agonia do travesseiro
É entupir os teus pulmões
com berros de desespero.

ºººº

A morte vem em seu tempo,
é o ver -se real co'a calma.
Morrer é ver a verdade
se não do corpo, da alma.

ºººº

Os sonhos são me impossíveis.
Impassíveis tal metais
nos dentes. Grade e aparelho
do açaimo de um incapaz.

ºººº

Os outros são tão legais,
normais, banais e mais nada...
Carregam em um segundo
infindas vidas agregadas.

ºººº

Um velho morreu no mar,
n’algum lugar dentre  as vagas,
o frio fisgou-lhe no peito
e aos peixes, dividas pagas.

ºººº

A cena se repetindo,
no tempo como algum trauma,
O Enforcado na estrada,
o sacrifício e sua alma...

ºººº

O varal cá balançando
o tempo está pra brincar,
co’as crianças no quintal
e a fé de que vão voltar...

ºººº

No mundo não tem destino,
não tem regras, nem tem dados,
no mundo não tem respostas,
nem segredos ocultados.

ºººº

O tempo rege com esmero
tudo que morre com ele
todas as perdas, as faltas
todo o vazio é só dele.

ºººº

Onde os destino convergem,
tudo teima um recomeço,
brilha um medo repentino
de ser aquilo que mereço.

ºººº

Sangue reflete o vermelho.
Sobre o sentido da cor.
Como algum cínico espelho.
Como um recado da dor.

ºººº

Este sonho acaba agora,
nada certo, tudo está errado,
quando acordo nesta cama
todo o mundo está trocado.

ºººº

A luz do teu apartamento
é como um velho farol
nas noites mais solitárias,
ou quando falta-me um sol...

ºººº

A luz do teu apartamento
é como um velho farol
nas noites mais solitárias,
ou quando falta-me um sol...

ºººº

A vida geme na forja
em golpes fortes e frios
e o rude ferro faísca,
faísca para o vazio...

ºººº

O rei no trono sentado
cercado pelos seus rostos
enxerga vago e distante
a falta de seus opostos..

ºººº

Um velho e amargo garoto,
no ódio em asco e no medo
perda por pedra cresceu
na torre virou segredo.

ºººº

Pois todo silêncio emerge
de algum latente estouro.
Silêncio de desespero
na espera num matadouro.

ºººº

E os sonhos morrem na praia
e brilham como de espuma
são como falsas promessas
carcaças de coisa alguma.

ºººº

E o Sol! Que ri lá de cima,
é um cínico psicopata,
pois mata tudo que cria
e os queimando os desidrata.

ºººº

E a luz do qual me ilumina
só mostra a nossa desgraça.
É como um sádico artista
que de tudo acha graça.

ºººº

Peter Pan, com meu passado
na Terra do Nunca vive,
em tempos descompassados,
memórias que nunca tive.

ºººº

Não tenhas medo menina,
que o tempo rege a razão,
e a cada vulto que esvai,
seu mundo volta p'ro chão.

ºººº

Coração barco a deriva,
vai nas ondas do desejo,
nas correntes de pessoas
nas tormentas que prevejo

ºººº

Vejo sonhos afogados
pelo asfalto e pelo afeto
retorcido e deformado
pelo gesto do  concreto.

ºººº

Eu vejo o mundo em céu aberto,
num gosto leve de alforria,
é ter um futuro descoberto
ao ser vivo por porfia.

ºººº

Sei que no mundo de estradas,
alguém vai ter por sua sina:
fechar as portas do palco,
luz apagar, fazer faxina..

ºººº

De toda a turba da rua,
escapas d'entre meus dedos,
quereria apenas ao lado
livrar-me destes meus medos.

ºººº

Trovões gritando no arrasto
pelas nuvens compelidos,
com a chuva que se arrama
pelo ar apodrecido.

ºººº

Pelos sapatos suspensos
sinos badalam toadas,
suicidas dançando ao vento
d’umas mentiras contadas.

ºººº

E o tempo esquece co’o tempo
os rostos outrora quentes,
calor de tempos retidos
nos rostos sobreviventes.

ºººº

Suicidas dançam ao vento,
co’as cordas, nós nos cadarços,
desamarrados sapatos,
e fadados no embaraço.