terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Rondel - Súplica






BERENICE ABBOTT (1989-1991)
Cocteau's Hand on Mask of Antigone, 1927

Rondel: Súplica 

Dai-me um tiro, dai-me um tiro
enfie esta faca em mim,
eu quero que a vire assim
enquanto ainda respiro.

Olhe em meus olhos, se inspiro
sente este gosto ruim?
Enfie esta faca em mim! 
Dai-me um tiro, dai-me um tiro!

A vida um horrível sim
em cada mão que firo
almejo um afago enfim
dai-me um tiro, dai-me um tiro!
Enfie esta faca em mim!

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Coringa

 

Não sou valente que nem tu
mas aprendi a sentir meu medo.

Eu já beijei meu horror e nu
eu já o arranquei com meus dedos.

Acostumado estou com tudo,
e fiz meu ninho cá no abismo.

Eu já aguentei um inferno e mudo
troquei meu choro por cinismo.

Eu não sou valente, não sou,
mas sei quebrar quando preciso.

 Queimar o circo que se criou
cortar a lona com um sorriso.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

soneto: colo

Colo

Foi tão simples, como a definição 
d'uma charada infantil. E foi quando
te vi viva e me vi te segurando, 
me vi vivo como por solução.

Diluir-me em abrigo e envergando
 para dar-te colo na fundição 
de um mundo gongórico, na razão 
de que é assim, e assim vou andando.

Na loucura de querer estar vivo, 
nessa coisa estranha que me eterniza, 
destes humores novo sentimento.

E pensar que sempre fui tolo e esquivo,
que fugia para um fel que me amortiza
intrusivo como meus pensamentos.

Rondel Augúrico

Meu fígado alguém me arranque
e leia meu destino fosco
se morro com meu desgosto
deitado em trapiche, estanque.

Boneco sou e sou sim tosco
pedindo que me desencante,
e o fígado alguém me arranque
e leia meu destino fosco.

Meu fígado brilha a sangue,
destino reluz já posto
e as marcas são o bastante
pra dor eu sentir o gosto...
Meu fígado alguém o arranque.