Algo aqui: Othon D’eça, escritor importantíssimo de Santa Catarina, textos retirados do livro “Cinza e Bruma e Poemas Dispersos”; Araújo Figueredo, poeta do qual muito já escrevi sobre, de poesia e vida muito além do natural.
Essa não é uma Desterro que inventei ou que eu quero que seja, é uma Desterro presente na memória da cidade, uma imagem contrária á cidade onde as loiras do interior vem tomar sol para assim serem parte da propaganda de turismo. (Não tenho nada contra o interior de Santa Catarina deixo claro). Mas é que não podemos viver numa cidade que se vê de acordo com os preconceitos que recebe, e sim numa cidade que se vê de acordo com um passado e um presente, e não uma maquilagem neo-liberalista de gente que tenta esconder e apagar para criar um ontem que jamais existiu, que melhor funcione para circular capital.
Por mais que as pessoas pensem ser fascismo divulgar uma imagem contrária ao “PARAÌSO TROPICAL LOIRO”, ou, a ”FLORIPA: CIDADE DA MACONHA E DO SOL E SURF”, eu prefiro tentar passar a Desterro do Mar e da Saudade, e a Desterro das Bruxas e das Brumas. Desterro é uma cidade que poderia ser outra, mas na verdade sofre um verdadeiro etnocídio, um culturicídio ou seja lá que raios, causado por um governo racista que quer tornar aqui uma Maiami, que considera o artista como estorvo do estado.
Peço desculpas por não falar aqui de Mário Quintana e Drummond e de todos os poetas obrigatórios, por mais que eu os leia, prefiro falar, por mais absurdo que seja, de poetas que simplesmente não existem dentro do coletivo, e que merecem sim, um pouco de divulgação, porque são bons, e só não são conhecidos hoje porque simplesmente escreveram e deixaram aquilo que tanto nos perturba nesse admirável mundo novo, eles no deixaram uma identidade.
Caso eu tenha ofendido alguém, espero que me diga, poste aqui um comentário falando o porquê.
Bom acho que é só isso,
Abraços, Marcel Angelo.
Desterro, Alma do Mar e da Saudade...
A Laércio Caldeira
Desterro é o poema de pedra da tranqüilidade...
Nos lentos crepúsculos de agonias cinzentas, parece um lavor antigo num retábulo de opala...
E, sobre a sombra do céu, a sua sombra nas águas, recorda um fresco flamengo num muro de porcelana...
Ao longo do seu cais onde os saveiros, inquietos, suplicando bonança, erguem para Deus os braços vincados pelas driças, a tristeza da Penumbra e da Umidade estira-se como um grande gemido de Melancolia...
Desterro tem a expressão de Santa Tereza de Jesus!...
Pelas manhãs engessadas do Inverno, quando as brumas encanecem as Horas e fazem pensar na doçura sem orlas da Renúncia, ela ensimesma-se num Sonho de vitral e fica absorta, de joelhos, enevoadamente a relembrar...
Então, para alegrá-la, as muretas ondulam, em versos de guipure, ao ritmo do vento, as Canções que vieram rimando do mar alto!...
E as músicas dos sinos evadem-se dos cárceres de bronze, e palpitam entre as neblinas, e elargem-se vibrantes, sobre os telhados e sobre a paisagem, em grandes enciclias brancas e sonoras!...
No entanto é vã essa alegria das águas e das torres...
Desterro é a Tristeza que parou à beira do mar!...
Do Mar sempre enamorado de sua Sombra... vaga... contemplativa... feita das sete dores da Saudade...
Minha Ilha
Bendita sejas pelo tempo afora,
Ilha do meu Amor! Meu verde altar,
Com a contrição de quem vai comungar.
Em ti exalto a imagem de meu lar;
O casarão em que a saudade vela,
A contemplar além, beijando o mar,
A silhueta azul do Cambirela.
E canto as formas túmidas, redondas,
Dos teus morros bordados de esplendores!
A cidade que sonha, ouvindo as ondas,
E os meus velhos amigos pescadores!
Ilha do meu Amor! Bendita sejas,
No que tu mostras e no que sugeres!
Na serena postura das igrejas,
E nos olhos castanhos das mulheres!
E bendito o teu céu cor de safira
e o teu agreste corpo de esmeralda!
E o mar, que em torno a ti de amor suspira,
E lábaros d’espumas ao sol desfralda!
E bendito o teu povo de praieiros,
Que constrói ele mesmo o seu casal;
E fala a velha língua dos troveiros,
Como falava o avô de Portugal!
Cerro os olhos e vejo na lembrança,
O que tu tens de belo e de lendário:
Um regaço de praia onde um barco descansa,
Sob as ramas de um cedro solitário!
Ou então uma fonte, um caminho, um telhado,
Docemente a surgir nos braços do arvoredo.
E refolhos de mato abobadado,
Com chilreios, e sombra, e perfume, e segredo!
OFERENDA
Ilha do meu Amor! Por ti palpita
O mais apaixonado coração!
Tu és a minha verde Sulamita,
A luz do meu olhar e a minha devoção!
(“República” – 09/12/1923)
A Lua e a Ponte
Dorme a cidade junto ao mar tranqüilo,
Onde nadam reflexos em cardumes
E ondeiam sombras efêmeras e estranhas.
Em torno oscilam os longos fios de lumes
Como os festões de um vago peristilo.
É tarde. A noite busca o abrigo das montanhas;
E o vento arisco espalha e amadurece
As maresias verdes do canal.
Passa um grande barco de altas vergas em cruz.
E enorme, redonda, a lua cheia parece,
Entre as duas torres da Ponte Hercílio Luz,
Um luminoso gongo de cristal.
(“O Estado” – 09/07/19577)
Misteriosa
A Tito Carvalho
Ela era esquia e fina, e parecia
Um vaso italiano de cristal.
Toda a gente, na rua, quando a via,
Gostava do seu vulto original.
Era a graça, o perfume que inebria
Dum modo estranho e sobrenatural.
E essa gente, encantada, nem sabia
Se no mundo nascera uma outra igual!
- Donde veio, diziam, flor tão rara?
Qual canto da terra? Que cidade
O seu berço de plumas embalara?
Mas ninguém nunca soube a verdade:
Que essa flor de volúpia desatara
Num humilde casebre da Trindade!
(“República – 27/09/1923)
Trindade é um bairro daqui...
Araújo Figueredo
Em redor da fogueira
Rodam na cana verde as filhas da Vicência,
Vindas do Ribeirão, das últimas Costeiras...
Belas almas febris, de rica florescência,
De seios rebentando em botões de roseiras.
Do diamantino luar na espiritual diluência,
Rodam como visões, graciosas e ligeiras,
Rondam de par em par, em célere cadência,
Em vertigem feliz, alegres e brejeiras.
Fêz –se então um rumor de remos nos toletes...
É que chegam do mar uns rapazes. Foguetes
Esfuziam no espaço... E vozeiam cantigas.
No terreiro do engenho a fogueira crepita...
E, ao vermelho clarão que, em derredor, se agita,
Mais feiticeiras são, agora, as raparigas.
Ilusão
Sopra rijo o nordeste. Anselmo vem à popa
De um leve batelão. Vem, contente, a cantar...
Nem se lembra que está sobre as ondas do mar:
E, destemido, d'água o largo pano ensopa.
A leve embarcação embaraços não topa,
Metida a quilha ao vento... É um pássaro a voar...
Rumo da praia irá, num seio descansar,
De bôjo para cima, embutido de estôpa.
Mas , junto ao Cambirela, onde há um precipício,
Que a tanta gente dá o eterno sacrifício
Da morte, ei-la emborcada, a leve embarcação.
E nunca mais ninguém viu o pobre Anselmo:
Menos quem o tanto amou, e, na luz do santelmo,
Parece vê-lo sempre... E crê nessa ilusão!
Posteriormente vou procurar por Oscar Rosas, vou postar uns poemas de Rodrigo de Haro e tentar achar um bom material sobre o período Ultra Romântico aqui da Ilha.