domingo, 6 de março de 2022

Sacrifício - Rondó


Rondó Sacrifício


Uma vela acesa queima
cera e teima dar-se ao tempo,
um incenso beira ao pó,
brilha só, num fundo escuro.

Olho o mundo nesta treva,
marco um risco neste chão
pra que o sonho não se atreva
dar a ilusão de um futuro.

Rogo ao sono seu silêncio
pelo oco som da noite,
o desejo cá dispenso
no açoite de um esconjuro.

Uma vela acesa queima
cera e teima dar-se ao tempo,
um incenso beira ao pó,
brilha só, num fundo escuro.

Carregando fraco olor
tal farol num mar sem astros,
corta o fumo o véu sem cor,
estes rastros que procuro.

Rogo ao vazio sempiterno,
dos abismos, tempestades,
que trague o desejo interno.
Vaidades em que perduro.

Uma vela acesa queima
cera e teima dar-se ao tempo,
um incenso beira ao pó,
brilha só, num fundo escuro.

Onde temo estar disperso,
baixar a guarda e deixar-me
manchar de sangue meus versos
charme do fel que supuro.

Rogo ao medo os pregos, grades,
corrimões de ferro rubro
queimem as minhas vontades,
as que cubro e as que abjuro.

Uma vela acesa queima
cera e teima dar-se ao tempo,
um incenso beira ao pó,
brilha só, num fundo escuro.

Neste quarto, nesta cela 
todo o fora desfalece,
fecho todas as janelas
faço a prece meu murmuro.

Rogo ao fogo que desgasta
esse incenso, essa vela.
Que me seja a venda casta
que debela o anelo impuro. 

Uma vela acesa queima
cera e teima dar-se ao tempo,
um incenso beira ao pó,
brilha só, num fundo escuro.



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