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É um jardim em algum lugar. Como se feito para alguém, em algum lugar onde o sol sempre está a morrer. Com uma iluminação de branca para azulado, onde tudo é tingido por um aspecto fantasmal, em lâmpadas suspensas por postes de ferro fundido, trabalhado sob cinzel. Tem também bancos brancos cobertos com curiosas espécies de trepadeiras, de aspecto frágil e pequenas flores quase transparentes, como se fosse uma espécie de rede. Eram bancos que estariam muito mais agradáveis se estes tivessem indícios de já terem sido usados, mas, como tudo ali, transpareciam estarem imbuídos de uma falta, um vazio incerto, como se estivesse com uma peça faltando.
Tudo ali transparece como se faltasse algo, mas é inquestionavelmente belo, como toda melancolia terna pode ser. Podia-se sentir algum mundo incerto luzir lá fora, com as luzes de uma cidade infesta. Mas lá, no real que contrasta com as imagens daquela cidade colorida, a imperturbável solidão reina sobre aquele verde pálido, sobre aqueles galhos frágeis e a presença indiferente de pirilampos e mariposas.
Nuvens de efemérides giram numa tentativa vaga de felicidade, buscando se acasalarem antes que as suas energias se extingam, e parem assim de refletir as luzes das lâmpadas e findem no breu daquele chão. Morrem na mesma indiferença em que as luzes dos apartamentos na paisagem se apagam de vez em quando.
Uma leve garoa acaricia a pele daqueles que se aventuram a adentrar no jardim. Longe das luzes, se pode sentir um leve roçar, como se um vento lhe lembrasse daquele beijo não dado. As plantas deslizando sobre seu rosto como o toque de quem estás a desejar, como se cada elemento presente naquele lugar fizesse de algum modo lhe recordar a chance perdida, o desejo não saciado, o medo que rege toda a insegurança, o passo não dado. E é um deleite, como é em si o desejo, como é em si a paixão e a pena de si próprio, o acalanto da inevitabilidade, o fracasso esperado.
Quem criou este jardim, em seu sonho ou delírio, estava imerso nas águas da frustração, pois, caminhando nele, seguindo as lâmpadas que se envergam como monges solitários, pode-se encontrar uma estrutura fantástica. Como um templo, vários pilares se erguem de modo peculiar: caso os contorne, poderás perceber que formam um estranho círculo, e, olhando para seu centro, tens a sensação de um lugar muito mais vasto do que esperavas.
Caso se resolva percorrer e conhecer o centro do jardim, ele te levará facilmente. E nele tem uma sombra, ou uma árvore retorcida, que se projeta sinuosamente entre toda aquela estrutura. Nela tem apenas parcas flores vermelhas, como sangue coagulado. Nela se percebia um certo cansaço, como aqueles chorões que crescem entre o asfalto e o concreto. Mas ela estava lá, abrindo caminho, como um colossal gigante deformado, com seus inúmeros dedos nodosos. Era a árvore central, a maior e a primeira, a mais humana. E estava nela escrita violentamente, arranhada como quem arranha seu próprio sepulcro, apenas uma coisa, milhares e milhares e milhares de vezes reescrita, uma súplica: “Me perdoe, me esqueça.”
Livros dos sonhos esquecidos. Autor desconhecido. Tomo A. Pág. 21.114.
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