sexta-feira, 23 de abril de 2010

Mais um Soneto



Mais um Soneto

O seu perfume vem dos livros amarelos,
cheira á segredo de desejos d’outra gente,
e o dos seu cachos, maranhados de cabelos
vão como as vagas deslizando sob o pente.

Sinto sua pele de madeira, docemente
como a janela que me afasta os pesadelos,
e nos seus lábios eu me enleio em um mel ausente
n’um docemente tristemente desespero.
E sei que enxergas na sua vida e nos meus olhos

algum futuro que presumo: É distante,
tal atuneiros lá no oceano, tão estrangeiros...

Só que, menina de madeira, vi os abrolhos
e pressenti que o meu lugar é nas estantes,
e o seu destino é os romances passageiros.

Poema meio antigo...
Logo postarei coisas mais novas.
Início de 2009

Elomar - Dos Confins Do Sertão


Gravado e publicado na Alemanha Ocidental, a convite especial do governo dali (na época em que se aplicava o "Ocidental") foi o resultado de uma apresentação em um Festival de música Ibero-Americana, do qual o autor recebeu o Primeiro Prêmio Internacional.
FONTE

Ps: Disco inteiro

01. Parcelada/Puluxia
02. O Violeiro
03. Campo Branco
04. O Pidido
05. Cantiga de Amigo
06. Função
07. Cantiga do Boi Incantado
08. Na Estrada das Areias de Ouro
09. Naninha
10. Noite de Santo Reis
11. Lôas para o Justo

1986 40 MB CBR 128 Brasil

sexta-feira, 9 de abril de 2010

"Desde o século 19, o negro livre é uma encrenca para as nossas leis..."

Folha de São Paulo, 07/04/2010

ELIO GASPARI
De Cazemiro@edu para Demóstenes.Torres@gov
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Desde o século 19, o negro livre é uma encrenca para as nossas leis,
eu que o diga
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ILUSTRE SENADOR Demóstenes Torres,


Quem lhe escreve é Cazemiro, um Nagô atrevido. Faço-o porque li que o senhor, um senador, doutor em leis, sustenta que a escravidão brasileira foi uma instituição africana. Referindo-se aos 4 milhões de negros trazidos para o Brasil, vosmicê disse o seguinte: "Lamentavelmente, não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos, mas chegaram..."


Vou lhe contar o meu caso. Eu cheguei ao Rio de Janeiro em julho de 1821 a bordo da escuna Emília, junto com outros 354 africanos. O barco era português e o capitão, também. Fingia levar fumo para o Congo, mas foi buscar negros na Nigéria e, na volta, acabou capturado pela Marinha inglesa. Desde 1815, um tratado assinado por Portugal e Grã Bretanha proibia o tráfico de escravos pela linha do Equador.


Quando a Emília atracou no Rio, fomos identificados pelas marcas dos ferros. A minha, no peito, parecia um arabesco. Viramos "africanos livres". Livres? Não, o negro confiscado a um traficante era privatizado e concedido a um senhor, a quem deveria servir por 14 anos. O Félix Africano, resgatado em 1835, penou 27 anos. Doutor Demóstenes, essa lei era brasileira.


A turma da Emília trabalhou na iluminação das ruas e no Passeio Público. Algumas mulheres tornaram-se criadas. A gente se virou, senador. Havia senhores que compravam negros mortos, trocavam nossas identidades e não nos liberavam. As marcas a ferro nos ajudaram.


Alguns de nós conseguiram juntar dinheiro. Como estávamos sob a supervisão dos juízes ingleses, em 1836 compramos lugar num barco. Dos 354 que chegaram, talvez 60 retornaram à África. Como doutor em leis, vosmicê sabe que o Brasil se comprometeu a acabar com todo o tráfico em 1830. Entre 1831 e 1856 chegaram 760 mil negros, os confiscados devem ter sido 11 mil, ou 1,5%. Aquela propriedade da Marinha, na Marambaia, onde às vezes o presidente brasileiro descansa, era um viveiro de escravos contrabandeados. Não apenas a escravidão do Império era uma instituição brasileira, como assentava-se no ilícito, no contrabando.

Outro dia eu encontrei o Mahommah Baquaqua, mais conhecido nos Estados Unidos do que no Brasil. Ele foi capturado no Benin, lá por 1840,vendido a um padeiro em Pernambuco e revendido no Rio ao capitão do navio "Lembrança". Em 1847, o barco fez uma viagem ao porto de Nova York e lá o Baquaqua fugiu. Teve a proteção dos abolicionistas, razoável coberturajornalística, estudou e escreveu um livro contando sua história (inédito em português, imagine). Fazia tempo que eu queria perguntar ao Baquaqua por que, em suas memórias, não contou que, de acordo com as leis brasileiras, o seu cativeiro era ilegal. Ele diz que esqueceu, mas que, se tivesse lembrado, não faria a menor diferença.
Senador Demóstenes, a escravidão foi brasileira, assim como é brasileira uma certa dificuldade para lidar com os negros livres. Eu que o diga.
Axé,
Cazemiro
P.S.: Há uma referência ao caso da Emília no artigo "A proibição do tráfico atlântico e a manutenção da escravidão", da professora Beatriz Gallotti Mamigonian, publicado recentemente na coletânea de ensaios "O Brasil Imperial". Que Xangô apresse a publicação de seu livro sobre os"africanos livres" no Brasil.

Sobre o caso: Aqui