terça-feira, 26 de novembro de 2013
...
Tem um templo contigo
feito de âmbar e mel
nessa pele.
Contemplo, no sereno
do ar condicionado
perto da janela
seu corpo em meia luz
desenha-me um farol.
E se anseio enfim, sentir-te
rogo que teu suspiro
em enleio sim, roubar-me
de todo ar.
Me afogue.
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
Maldita Trova
Malditas
Pois todo silêncio emerge
de algum latente estouro.
Silêncio de desespero
na espera num matadouro.
E os sonhos morrem na praia
e brilham como de espuma
são como falsas promessas
carcaças de coisa alguma.
E o Sol! Que ri lá de cima,
é um cínico psicopata,
pois mata tudo que cria
e os queimando os desidrata.
E a luz do qual me ilumina
só mostra a nossa desgraça.
É como um sádico artista
que de tudo acha graça.
Maldito mundo que estou
maldito céu que reprova
o chão maldito que piso
e o giz com que risco a trova!
FIGUEIREDO, Juvêncio de Araújo
NUM SONHO
- Lá vai, velas ao vento, o brigue Flor das Águas;
Lá vai, garbosamente, em procura do Norte.
E alegre chegará? Quem sabe lá das mágoas
da sua gente? E quem já lhe notou a sorte?
Mágoas! Quem nunca as teve? Eu, pelo menos, trago-as
desde o dia fatal em que, olhando a morte,
o meu noivo vagara aflito, envolvido nas fráguas,
dos bruscos vagalhões em terríveis corte;
Assim falava Rosa às queridas amigas...
E dentre o lindo rol das meigas raparigas,
rita pôs-se a cismar na vida de Lourenço.
Vira-o no mar profundo e revolto de um sonho,
nas angústias fatais de um naufrágio medonho,
a gritar e a acenar convulsivamente um lenço.
NA CRUZ
À alma torturada de Carlos de Faria
Quem pregou nessa cruz esses teus frágeis braços?
Quem te lançou à boca a esponja da tortura?
E sobre teu anseio a mudez dos espaços?
E diante dos teus pés uma planície escura?
Quem te rasgou do peito, a execrandos lançados,
todo esse coração onde a tua alma, pura,
sonhava a doce paz bendita dos regaços,
todo o meigo e efluvial clarão de uma ventura?
Ah! Quando o fundo olhar nesses tormentos cravo,
de tudo me recordo, e essas tristezas cavo,
como quem cava o chão frio de um cemitério.
Numa hora de repouso, e de recolhimento,
eu sei o que é a dor, de momento a momento,
passando sobre ti no seu carro funéreo.
AMARGA IRONIA
Eis-me junto de um túmulo fechado,
Onde reclino a fronte quase fria.
Quero escutar, digo eu, a litania
De um coração que aqui jaz enterrado.
Nisso, de dentro, parte um sonho magoado,
De uma profunda e vaga nostalgia.
Quem és? E o som responde-me: - Maria,
A tua filha, o teu amor sonhado!
Um frio, então, tragicamente horrendo,
Passa-me os ossos; e me vai roendo
As carnes que afinal se espedaçavam!
Mas fiquei por saber se o som tristonho
Era o dessa ovelinha, n’algum sonho,
Ou era o dos vermes que de mim zombavam!
ALMA ANTIGA
Todo o amaino que encontras nesta cama,
Nestes lençóis tão alvos e aromados,
Vem de uma clara e misteriosa chama
Que te segue, dos tempos já passados...
E não na vês, na delicada trama
Da sorte! Não na vês, nos teus cuidados!
Mas ei-la neste leito; e se derrama
Como por sobre o mar óleos sagrados...
É que, por certo, um dia, um leito deste
A quem, passando num lugar agreste,
Sentira as pernas bambas de fadiga.
E se buscares todos os segredos
Do teu passado, encontrarás os ledos
Florescimentos da tua alma antiga.
VOLTANDO À TERRA
Dize, por que razão me vens bater à porta,
altas horas da noite, assim de olhar tão triste,
que não sei como, ao vê-lo, a minha alma o suporta,
se há muito tempo já da terra sumiste?
E o que desejas tu, se há muito tempo és morta,
se, com certeza, ao lindo e largo céu subiste
como uma águia de luz, que as amplidões recorta,
e sobe, e por lá fica, e a paz do céu assiste?
E ela, os olhos volvendo, as mãos alevantando,
e abrindo a boca em flor e a cabeça meneando
pôs-se, então, a falar da nossa mocidade...
Disse que à terra vinha, unicamente, apenas,
para às suas unir as minhas grandes penas,
no consolo bendito e humano da saudade.
Cena Real
Rita fora tirar mariscos ao mar-grosso,
Para dar de comer aos pequeinos filhos
Que eram, do seu amor, os mais fortes cadilhos
Numa pobreza atroz, de sombras de arcabouço.
Prendeu um samburá à curva do pescoço,
E buscou do rochedo os últimos rastilhos,
Temendo o grande mar que, em cada vaga, trilhos
Abre a cada momento. E cada vaga é um poço.
Mas uma vaga veio; e mais outras... Montanhas
De água vieram... E treme o seu peito de estranhas,
Profundas emoções! Ei-la, agora, rolando
Por êsse mar revolto! (Ah! Tristíssima cena!)
Com um trapo da saia ela, cheia de pena,
Diz aos filhos adeus, e êstes choram, gritando!...
Suicida
Do bordo do lanchão pôs-se a fitar o espaço,
Que tão cheio de luz se achava! Quantos astros,
Quantos mundos rolando, enlaçados em nastros,
Da eterna vibração, no infinito compasso!
Quis estender ao céu o seu pequeno braço,
Mas recuou porque, muito distante, os rastros
Dêsses mundos de luz lhe dariam cansaços;
E êles não são, por certo, os santelmos mastros...
-Quem pudesse morrer! (Disse êle) e, nesse instante,
Olha as águas do mar e vê um céu faiscante;
E dentro dêsse céu, a gôndola da lua...
Arroja-se de chofre, então, ao mar e morre,
mas, por tôda a enseada, uma lenda ainda corre:
Dizem que a alma do Zé nas ânsias continua...
Ilusão
Sopra rijo o nordeste. Anselmo vem à popa
De um leve batelão. Vem, contente, a cantar...
Nem se lembra que está sobre as ondas do mar:
E, destemido, d'água o largo pano ensopa.
A leve embarcação embaraços não topa,
Metida a quilha ao vento... É um passaro a voar...
Rumo da praia irá, num seio descançar,
De bôjo para cima, embutido de estôpa.
Mas , junto ao Cambirela, onde há um precipício,
Que a tanta gente dá o eterno sacrifício
Da morte, ei-la emborcada, a leve embarcação.
E nunca mais ninguém viu o pobre Anselmo:
Menos quem o tanto amou, e, na luz do santelmo,
Parece vê-lo sempre... E crê nessa ilusão!
A Rendeira
Que lindas rendas faz a saudosa rendeira,
Que horas passa sentada ao correr do portal,
De onde escuta a carriça a chilrear na lareira,
E o canário a chilrear no flóreo laranjal!
Aprecio-lhe o gôsto e a sublime maneira
Com que faz tanta renda, assim, para o enxoval,
Vai casar-se na ermida alegre da ladeira,
E fêz, duma camisa, um lírio original.
No momento em que a vi, a tarde feiticieira
Era uns veios de luz piedosa, espiritual...
E chegava da pesca uma leve baleeira.
Houve, então, um rumor de beijos no quintal...
E em cada humilde e bom olhar dessa rendeira
Cantava a rima azul de um sonho virginal.
FIGUEIREDO, Juvêncio de Araújo. Poesias: edição comemorativa do centenário. Florianópolis: s.n, 1966. 311p.
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
Bola de Natal
No brilho líquido como vidro,
de uma bola de natal,
eu vi luzir, encoberto no espaço livre
das férias de fim de ano,
um pequeno pedaço mirrado,
mirrado pedaço pequeno de mim.
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