Elas são e não são, ao mesmo tempo, etéreas como a poeira que brilha no rastro de luz de uma janela. Estas pequeninas almas somem e reaparecem, fugidias entre qualquer certeza; só se manifestam no limiar entre a claridade e a sombra. Nadam no vento como plânctons e esquivam-se fácil de qualquer toque.
Elas brilham e brincam como crianças num parque, num tom infantil, fisgando pedaços de poeira. Fazem da poeira, estes pequenos rastros de nossas figuras colossais, o divertimento e o sustento de suas existências. Vestem-se com nossos restos de pele, como se nos imitassem, costurando com fios ínfimos figurinos variados, como se fossem imitações jocosas de nossa moda. Montam casas e tendas que confundiríamos com pequenas bolotas de sujeira que, por vezes, aparecem embaixo dos móveis, quando esfregamos tapetes, quando limpamos nossas casas.
Pouco sei de seus hábitos e do tempo que vivem; pouco sei de seus filhos ou se eles os possuem, ou se nascem de algum lugar. Apenas notei pouco, pois ao observar suas existências, um simples movimento destruía qualquer coisa feita por elas, deslocando-as no turbilhão que o mover de um músculo provocava.
Senti-me um monstro ao tentar observá-las; toda a minha interação, todo meu esforço de eternizá-las resultava na destruição de suas vidas. Para estudá-las, precisaria destroçá-las com a minha interferência.
Mas ao voltar aos lugares que destruí, daquelas pequenas povoações que escolhi para tal sacrifício, senti-me mal, enojado de minha significância. Lá estavam elas de novo; haviam-se reconstruído. Mas o pior: meus traços e meus restos se reorientaram e, como uma cópia forçada de meu ser, de meu estilo, de minha estética, aqueles novos remanescentes remontavam aquilo que seriam suas próprias imagens, seus hábitos e suas identidades.
Eram como um pequeno eco, onde nós, titãs ou o que seja, éramos a morte. A vida deles depende de nossa passagem, mas só podemos ser um passado de caos. Um caos de onde eles trilhariam seus caminhos, ergueriam um mundo a partir de nossas pegadas. Mas somos a destruição e a morte para eles; a nossa volta resulta no fim de um mundo e no início de outro.
Devo ser como os deuses nos são: partir para nunca mais voltar, deixar que nossas pegadas trabalhem por nós.
Livro dos Sonhos Esquecidos. Autor desconhecido. Tomo I. Pag. 876.482.718.901